Kaxararis, os miseráveis vigias de riquezas em granito

A Tribuna-Rio Branco-AC - 17/03/2003
A malária, assim como outros males ocasionados pelo contato com o mundo do "branco", vem massacrando o povo indígena kaxarari nos últimos 14 anos, desde que eles se mudaram da aldeia Barrinha para uma nova localidade batizada como aldeia Pedreira. Mudança ocorrida em razão da necessidade de defender a área contra a invasão promovida pela empresa Mendes Júnior, que na época estava explorando ilegalmente uma pedreira de granito dentro da Terra Indígena.

Com o deslocamento da aldeia Barrinha para a aldeia Pedreira, localizada próxima à Vila Extrema - entrando 30 quilômetro de ramal, no km 180 da 364 - os kaxararis conseguiram conter a exploração ilegal da pedreira expulsando os invasores. Contudo, durante esses anos estiveram na dramática condição de "miseráveis" vigias de uma incaculável riqueza natural, que permanece intocada enquanto gerações de kaxararis padecem todo tipo de necessidade.

Nesse caso, a Constituição representa um fator determinante nessa grande contradição, porque não permite ao indígena explorar recursos naturais da reserva para fins de comercialização, ainda que se trate de uma comunidade abastada de condições dignas de sobrevivência, como é o caso dos kaxararis.

Um povo indígena composto por aproximadamente 600 pessoas, divididos nas aldeias Pedreira, Paxíuba, Barrinha e Marmelinho. Todas pertencentes à Terra Indígena Kaxarari, que compreende uma área de 160 mil hectares na divisa do Acre com Rondônia e Amazonas.

Surto de malária
Na aldeia Pedreira a malária já vitimou mais de 20 pessoas nos últimos cinco anos, sendo crianças e idosos as principais vítimas. Problemas com a saúde se tornam mais acentuados porque o trabalho de assistência através do convênio UNI/Funasa não consegue reverter o quadro porque se trata de uma região tradicionalmente endêmica. Além disso, sem assistência básica, os males atingem um grau avançado até chegar à necessidade de transferência para Rio Branco.

É justamente nesse deslocamento que os indígenas vão de encontro a outro grande problema, que é o acesso, pois eles não têm condições de abrir seus próprios ramais e, dessa forma, precisam trafegar pelos ramais dos fazendeiros, cujas propriedades estão localizadas na frente da Terra Indígena.

Tradicionalmente latifundiários não gostam de índios, sendo comum situações em que fecham porteiras, determinam regras, não permitindo a passagem em dias de chuva, mesmo que para transportar doentes. Algumas vezes fazem ofensas aos indígenas no momento da passagem.

Os problemas no acesso se tornam mais complicados em ocasiões de transferência de pessoas doentes. Entretanto, são enfrentados também no dia a dia quando há necessidade de escoar algum produto para fins de comercialização, como é o caso da castanha em determinado período do ano e pequenas quantidades de farinha e milho.

Conseqüências do desrespeito ao meio ambiente
Quase todos os kaxararis mais idosos que participaram da mudança para a nova localidade - que estava sendo explorada sem o consentimento do povo indígena - já faleceram vítimas de malária, outros males agravados por algum tipo de carência nutricional e demais conseqüências do contato com o "branco".

Os poucos idosos que ainda resistem bravamente a todos esses fatores fazem questão de lembrar com saudosismo que os pajés das três aldeias da Terra Indígena Kaxarari se opuseram à instalação na nova localidade, mesmo que para combater a invasão da Mendes Júnior.

Justificavam que todos os elementos da natureza demonstravam que o local não recebia os bons ventos que representam o alimento em abundancia. Os pajés diziam que não conseguiam ver a natureza presenteando o local com a boa colheita, boa caça, pesca e com os frutos. Sobretudo, manifestavam restrições à inevitável aproximação com o mundo do "branco", já que a pedreira está localizada a 30 quilômetros da 364.

O presidente da associação do povo kaxarari, Marcondes Alves Kaxarari, lembra que na ocasião da mudança não foi possível traçar os destinos da comunidade baseado nos ensinamentos dos pajés e as conseqüências dessa desobediência à cultura foram constatadas na prática, infelizmente com a morte de dezenas de indígenas e mais de 10 anos de atraso.

"Nossos pajés alertavam sobre o surto de doenças nessa localidade. Infelizmente, agora, só nos resta lamentar nossa condição de necessitados e continuar lutando e sonhando com uma justa condição de cidadãos", afirmou.

Luta diária para garantir comida
O alimento de cada dia passou a ser uma incerteza no quotidiano do povo Kaxarari, porque a escassez da caça e da pesca é uma das mais drásticas conseqüências da aproximação com o "branco", somada a deficiência desse povo na área produtiva, em relação ao cultivo de grãos, aos hortifrutes e à criação de animais.

A indígena Lucilene Souza Kaxarari destacou que a mudança de costumes, com introdução de alimentos dos "brancos", contribuiu para criar uma situação de dependência financeira e males à saúde com o consumo de produtos como o sal, açúcar, óleo e bebidas alcoólicas.

"Nossos antepassados não tinham essa dependência e viviam muito melhor. Somente agora, diante dos problemas que enfrentamos, somos capazes de entender porque sempre se opuseram a essa aproximação com o chamado "mundo civilizado", ponderou Lucilene.

Muitos morreram pela pedreira
"Gerações de Kaxararis já morreram vigiando a pedreira contra a ganância do "branco", procurando evitar a invasão e exploração ilegal. O mais cruel é que se foram sem sequer se dá conta que as pedras poderiam ter sido utilizadas para melhorar a vida das comunidades".
Com essas constatações o indígena Paulino Costa da Silva Kaxarari, o cacique mais idoso da comunidade abriu a reunião organizada pela comunidade kaxarari para buscar apoio junto à UNI, à Funai e às demais instituições ligadas à causa indígena para as seguintes reivindicações:

*Apoio para mudar os moradores da comunidade Pedreira para outra localidade

*Instalação de um posto de atendimento de saúde

*Mecanismos que contribuam para legalizar a exploração da pedreira

*Utilizar os recursos levantados com a exploração da pedra granito para investir em abertura de ramais, incentivos à produção de grãos, hortifrutes, criação de animais

*Compra de automóvel para ser utilizado no transporte e escoamento da produção

*Investimento para reconstrução da escola

Próximos passos
Firme no propósito de melhorar as condições de vida através da exploração da pedreira, o povo Kaxarari, através de sua associação, está se mobilizando para solicitar formalmente da Funai a criação de uma comissão composta por representantes de todas as entidades que trabalham com a causa indígena.
A essa comissão caberá a discussão e elaboração de um plano de exploração da pedreira, com base no texto da Constituição que abre precedente para a exploração de recursos minerais dentro das Terras Indígenas, desde que seja de interesse da União, Estado e da comunidade.
PIB:Juruá/Jutaí/Purus

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