Invasores de reserva índigena dos tembé são retirados por força-tarefa

O Liberal-Belém-PA - 10/06/2003
Começou na manhã de ontem a retirada das 139 famílias de posseiros que invadiram, há cerca de 40 anos, a reserva indígena dos tembé que fica localizada no alto rio Guamá. Moradores da Vila Bacaba, as famílias fazem parte da primeira leva de desocupação promovida por uma força-tarefa formada por vários órgãos do governo federal, à frente o Ministério Público Federal (MPF). O objetivo é retirar não apenas as famílias invasoras como também os madeireiros, fazendeiros e até um plantador de maconha, já identificado pela Polícia Militar e que deve ser preso nos próximos dias. O pedido para retirar os invasores foi feito pelo procurador da República Felício Pontes, e foi determinada pelo juiz da 1ª Vara Federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves.

Ontem, todos os invasores localizados pelos oficiais da Justiça Federal Aldrin Lucena e Marcelino Gomes foram citados judicialmente para se retirarem da área até o final desta semana. Pelo menos duas famílias deixaram ontem a reserva indígena em um caminhão cedido pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Outras cinco já tinham saído da área, de forma espontânea, na semana passada.

Os posseiros querem mais tempo para fazer a colheita das plantações de hortaliças, banana, milho e mandioca. Mas Aldrin Lucena argumentou que se os representantes dos órgãos federais aceitassem este pedido estariam colocando em estado de beligerância os índios tembé, que estão preparados para a guerra - vários guerreiros de outras tribos da reserva estão se juntando na sede da aldeia para expulsar os invasores, caso isso não seja feito pela força-tarefa.

Quarenta e cinco das 139 famílias de posseiros residem na Vila Bacaba e o restante vive em outras áreas da reserva indígena, o que dificulta o contato pelos oficiais de Justiça. Do total, apenas seis ainda têm direito à indenização da Funai, pelas benfeitorias que fizeram dentro da reserva. Os outros ou já receberam e continuam na área indígena, ou chegaram depois do cadastramento feito pela Funai que, por falha dos seus técnicos, indenizou duas vezes pelo menos dois posseiros. Mas a maioria dos invasores terá direito a um pedaço de terra que o Incra está disponibilizando no município de Cachoeira do Piriá. Nesta semana, a Justiça deverá emitir o termo de posse da área, de 3,9 mil hectares, para que o Incra possa distribuí-la entre os novos atendidos pela reforma agrária.

Hoje de manhã, os funcionários do Incra, que ontem não mandou representantes, vão estar presentes na Vila Bacaba para esclarecer as dúvidas dos posseiros. Na manhã do último domingo, o próprio superintendente do órgão, Roberto faro, esteve na vila conversando com os posseiros. Ele prometeu que o grupo teria direito à terra, crédito agrícola e cestas básicas. Se a primeira área desapropriada não for suficiente, Roberto Faro disse que já existem outras duas para assentar os posseiros que estão deixando a reserva indígena dos tembé.

Todos os que vão deixar a reserva não poupam críticas à Funai, a quem acusam de ter criado "toda uma pressão para que a gente pareça bandido na vista dos outros", desabafou um posseiro, que pediu para não ser identificado por medo de retaliações do órgão.


Para os funcionários do órgão, a desocupação da Vila Bacaba vai "quebrar a resistência" dos posseiros que vivem em outras vilas encravadas dentro da reserva. Levantamento fundiário feito em 1992 pela Funai, Incra, Iterpa e Polícia Federal havia cadastrado, à epoca, 1.109 famílias de posseiros distribuídas nos povoados de "Água Preta", "Bacaba", "Conceição", "Cupu", "Zé Barba", "Limão", "Pepino", "São Francisco-Estrada Mejer", "São Francisco-Piriá", "Santo Antônio", "Bom Jesus", "Cristal", "Jaritequera", "Livramento", "Pedrão", "Piracema" e "Tauari".

Ocupação ilegal é problema antigo
para a comunidade indígena

"Será que eles (os posseiros) não voltam de novo para dentro da reserva?". A indagação é de um dos mais antigos membros da tribo tembé, que vive na aldeia-sede, no alto rio Guamá. João Moreira Tembé, hoje com 86 anos e prostado numa rede depois de anos a fio trabalhando na roça e pescando, não nega que tenha um pouco de esperança com o que lhe contam, da saída dos posseiros da reserva indígena. Mas para ele a Funai "é igual ao SPI", alerta a sabedoria do velho índio, se referindo ao Serviço de Proteção ao Índio, orgão criado em 1910 que, por sua vez, criou o posto indígena do alto rio Guamá, em 1945, e cinco anos depois, totalmente corrompida pelos invasores, acabou sendo substituída pela Funai, na década de 50. "No meu tempo, o pessoal do SPI dizia que era pra gente não se meter que eles expulsavam os invasores. E passamos muitos anos vendo nossas terras sendo exploradas pelos outros", disse.

Ontem, na aldeia-sede, o clima era de tranqüilidade. O indigenista Dilson Cavalcanti, que tem a confiança dos tembé, já tinha informado que naquele momento os posseiros estavam sendo retirados. Mas mesmo assim muito estavam pintados com as cores da terra. "Esse porrete é para caçar e também matar posseiros", afirmou um jovem índio.

Peré Tembé, uma das lideranças, estava esperançoso com a ação de retirada comandada pela Justiça Federal. "O João Tembé tem razão quando fala desconfiado. Mas se os mais velhos foram enganados, nós, mais jovens, não vamos mais aceitar enrolação. Foi por isso que fizemos reféns o pessoal da Funai, para mostrar que agora estamos falando sério. Mas eu estou acreditando que o pessoal (da Funai e do Ministério Público Federal) está falando sério e vai cumprir com a palavra", afirmou a liderança tembé.

Para uma índia, mesmo com a saída dos invasores "ninguém vai mais trazer de volta o que já foi destruído". Ela inclui nessas perdas os vários tipos de caça que existiam na reserva. "Hoje a gente não ouve mais nem o grito da guariba. Caça ainda tem, mas é escassa", lamentou.

Na próxima sexta-feira, os povos de várias tribos tembém se reúnem na aldeia Frasqueira para discutir diversos assuntos. Mas o principal vai ser mesmo a saída dos invasores da Vila Bacaba. Segundo uma liderança, o encontro não vai ser festivo, em relação à expulsão dos posseiros. "Mas nós vamos tratar de que maneira devemos continuar a pressão para que os outros posseiros também se retirem da nossa reserva. Se começou a saída deles, agora tem que ir até o fim", completou o tembé.
PIB:Sudeste do Pará

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