11 grupos de índios isolados vivem em áreas desprotegidas

OESP, Nacional, p. A14 - 24/06/2007
11 grupos de índios isolados vivem em áreas desprotegidas
Povos não têm assistência do poder público e vivem expostos às agressões de invasores ilegais de terras

Ricardo Brandt

No Brasil, 11 grupos de índios isolados do contato com a sociedade vivem em áreas desprotegidas, sem nenhuma garantia legal ou assistência institucional do poder público. Estão expostos aos ataques de exploradores de madeira, de minério, da fauna e da flora. São áreas de absoluta vulnerabilidade, já que a integração com o homem branco representa risco de morte, seja por causa dos conflitos ou em decorrência das doenças urbanas às quais estão desacostumados.

Desde dezembro de 2006, a Fundação Nacional do Índio (Funai) passou a considerar a existência de 68 povos indígenas autônomos espalhados na Amazonia Legal (Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima), além de um caso em Goiás. Do total, 57 estão em áreas já reconhecidas como terra indígena ou em territórios de influência das Frentes de Proteção Etno-Ambiental, da Funai, que são os grupos responsáveis pelo monitoramento e salvaguarda dos isolados. Em tese, estão mais protegidos que os demais.

No último censo populacional do IBGE, 700 mil indivíduos se autodenominaram índios. Os autônomos (ou isolados, como são mais conhecidos), entretanto, representam uma população que foge a qualquer amostragem demográfica. Por opção, rejeitam o contato com a "sociedade nacional" (que é o termo usado pela Funai) e vivem escondidos na floresta, preservando a maior parte de suas tradições culturais. Como a Funai deixou de buscar o contato desde os anos 80, não se sabe quantos são nem de quais etnias fazem parte.

ESTATÍSTICAS

Diagnóstico feito pela Coordenação de Grupos de Índios Isolados, da Fundação Nacional do Índio (Funai), em dezembro passado subiu de 40 para 68 o total de registros de povos indígenas vivendo nessas condições pelo País. O órgão atribui o crescimento a novos estudos realizados e à coleta de dados feita pelos grupos de campo.

Das 68 áreas, 39 ainda estão em estudo. São referências confirmadas somente por meio de vestígios materiais, relatos de moradores (legais ou ilegais) e outros indícios - ainda não houve contato direto. Confirmados documentalmente e com dados mais precisos são 24 tribos, além de 5 recém-contatadas.

A Funai esclarece que o isolamento não significa que eles vivem sem saber da existência de um mundo urbano ou de outras tribos indígenas. Em algum momento podem ter tido algum contato com povos ribeirinhos, ou terem observado outras culturas. Decidiram, no entanto, viver suas próprias tradições, sobrevivendo da caça, da pesca, de plantações (mandioca e banana, entre outras), cultuando outros deuses, preservando cantos e costumes.

O presidente da Funai, Marcio Meira, explica que, assim que é feito o registro da existência de índios desconhecidos numa área, o órgão promove a interdição do perímetro para evitar que contatos indesejados sejam feitos.

ALERTAS

No final de maio, um fato colocou em alerta os grupos de estudo de povos isolados da Funai. A aparição de 87 metuktires dos quais não se tinha notícias havia 57 anos. Os índios deixaram sua aldeia no sul do Pará e caminharam por cinco dias, floresta adentro, até chegar ao norte de Mato Grosso, onde acamparam ao lado de uma aldeia da mesma etnia, mas que já mantém contato com a cultura nacional desde 1950.

A Funai acredita que eles migraram em busca de proteção. O fato fez crescer a dúvida sobre até que ponto os grupos isolados localizados em áreas oficias estão mais protegidos que os demais. Os metuktires viviam numa área já reconhecida, mas aparentemente foram afugentados por ataques de garimpeiros ou madeireiros. "Os que estão fora de território regularizado estão mais vulneráveis. Contudo, às vezes até nas terras indígenas já totalmente regularizadas existem altas pressões de madeireiros, garimpeiros, empreendimentos agroindustriais, hidrelétricas, estradas etc", explica o coordenador substituto da Coordenação Geral de Índios Isolados, Elias Bigio.

Os metuktires não são o único caso recente de aparição de povos isolados. Na terra indígena Vale do Javari, que tem a maior concentração de povos autônomos, um grupo de índios korubos, conhecidos como caceteiros - por usarem as bordunas (pedaços de pau) ao invés do arco e flecha -, decidiu sair do isolamento e há um mês está acampado à beira do Rio Ituí. Quem relatou o caso foi o antropólogo Gilberto Azanha, coordenador do Centro de Trabalho Indigenista (CTI).

Segundo ele, nos últimos três anos esse grupo aparecia freqüentemente nas margens do rio, mas há um mês decidiu acampar no local. Não se sabe o motivo. "Curiosidade, possivelmente", afirma Azanha. A Funai confirmou a aparição da tribo.


Funai não faz contato, só protege área
Fundação tem frente de proteção e espera que índios tomem iniciativa de sair do isolamento
A Funai deixou de buscar contato com os índios isolados desde os anos 80 e decidiu que deixaria na mão deles a decisão de buscar uma integração com outras sociedades. Isso porque a tentativa de aproximação provocou centenas de conflitos e casos de aldeias inteiras dizimadas por doenças simples, como a gripe. "A Funai procura não fazer o contato. Fazemos um cinturão de proteção quando os identificamos", explica Marcio Meira, presidente da fundação.

O órgão monitora à distância os povos já reconhecidos. São sei grupos de atuação de campo, chamados de Frentes de Proteção Etno-Ambiental. Sua área de abrangência compreende Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará e Rondônia - regiões onde existe o maior número de referências sobre índios sem contato. Essas frentes de proteção realizam ações de localização, proteção, vigilância e fiscalização, em uma área de 15 milhões de hectares.

Segundo a Coordenação Geral de Índios Isolados, a qual estão subordinadas as frentes, "a rapidez com que tem ocorrido a ocupação da região amazônica", especialmente no Acre, norte de Mato Grosso, Rondônia, Pará, sul do Amazonas e Roraima, exige ação efetiva da Funai. Há exploração de madeira, minério, fauna e flora. No mesmo documento, a coordenação diz que essa ação se dá "no sentido de antecipar-se à invasão e à exploração inadequada das terras indígenas", para garantir a vida das populações e evitar que, isoladas ou não, sejam exterminadas.

Mas a Funai, como outros órgãos do governo federal, padece de insuficiência de pessoal e orçamentária. A frente de proteção do Vale do Javari (no Amazonas, fronteira com o Peru) é responsável por uma área de 8.544.482 hectares, demarcada pelo governo. Essa frente protege os índios korubo, recentemente contatados. Mas existem ainda outras 20 referências de índios isolados nesta mesma terra.

As frentes são importantes para a proteção dos povos e também para a identificação de novas ocorrências. Como a do grupo Avá-Canoeiro, que se refugiou na Serra da Mesa (GO), mas não foi localizado pela última expedição da Funai, em julho de 2006. A fundação ainda acredita em sua existência, baseada em vestígios e em relatos de quilombolas que vivem na região.

Existem também casos de um único índio tentando sobreviver isolado na floresta. O mais conhecido é do "índio do buraco", último remanescente de uma etnia não identificada, no sudoeste de Rondônia. A área onde ele reside, de 8.070 hectares, está interditada pela Funai.


'O isolamento é um direito'

O presidente da Funai, Márcio Meira, afirmou que o isolamento é um direito do índio. "À medida que confirmamos a presença de um grupo, interditamos o local para início do registro da terra. Essa ainda é a melhor forma desses povos terem sua segurança garantida", afirmou. "São mais de 60 povos vivendo sem contato com o Ocidente. É uma riqueza de diversidade étnica sem igual."

Segundo Meira, todas as ações da Funai são para "reduzir os impactos" causados pelo contato com o branco. Até mesmo as trilhas por onde caminham os índios ficam interditadas.

Em Mato Grosso, onde 87 metuktires fizeram contato com uma tribo de índios já aculturados, todos aqueles que vivem próximos dos isolados estão sendo vacinados pela Funasa, parceira da Funai nesse processo de redução de impactos.


17 povos vivem na 'iminência' de extinção, alerta Cimi

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acredita que existem 17 povos indígenas isolados vivendo "na iminência de extinção". Eles ficam no Acre, Amazonas, Mato Grosso e Rondônia.

Um dos casos envolvendo denúncia de genocídio ocorreu entre os povos isolados do Rio Pardo, nos Estados do Amazonas e Mato Grosso. De acordo com denúncia no Ministério Público Federal, houve massacres nos municípios de Apuí e Colniza, no fim de 2004 e início de 2005. Segundo o Cimi, um grupo de madeireiros, com participação de um ex-delegado de polícia de Mato Grosso, invadiu a área indígena e matou os índios.

Em outubro de 2005, a Frente de Proteção Etno-Ambiental Madeirinha, da Funai, fez contato visual com um grupo de três índios sobreviventes. A terra indígena foi interditada por duas portarias, mas, segundo o Cimi, "falta fiscalização da área".

Para o Cimi, grupos de extermínio agem a serviço de grileiros de terras, madeireiros e fazendeiros, que tentariam eliminar "qualquer vestígio de presença indígena para inviabilizar a demarcação de suas terras, liberando-as para a apropriação privada, exploração dos recursos naturais, pecuária e agronegócio".

Os riscos vão além dos conflitos. A história dos matises é um bom exemplo de como o contato com o branco pode ser desastroso. No início da década de 70, eles não tinham contato com outras culturas e eram aproximadamente mil. Com a chegada da Funai, e após os madeireiros (2002), eram 216. Em meados de 90, eram 100 apenas. Voltaram a crescer após o isolamento dos rios Ituí e Itaquaí, em 1996, pela Funai.

OESP, 24/06/2007, Nacional, p. A14
Índios:Isolados

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