Além dos holofotes: planos comunitários com povos indígenas são essenciais no desenvolvimento de projetos sustentáveis na Amazônia Legal

Um só planeta - https://umsoplaneta.globo.com/ - 25/04/2024
Além dos holofotes: planos comunitários com povos indígenas são essenciais no desenvolvimento de projetos sustentáveis na Amazônia Legal
Os planos comunitários permitem a identificação dos problemas, definição das prioridades e formulação de soluções, por meio de políticas públicas, parcerias ou projetos como de regeneração ambiental, geração de renda, educação, promoção da saúde, saneamento básico, preservação histórica e cultural

Luciana Sonck

25/04/2024

Mais do que nunca, todos os holofotes estão voltados para a Amazônia. A proteção e principalmente o desenvolvimento sustentável do bioma se mostram cada vez mais estratégicos para governos, empresas e terceiro setor. Isso se mostra nos projetos recentes, seja com o restabelecimento do Fundo Amazônia, até com a cooperação bilateral entre França e Brasil que busca arrecadar mais de R$5,4 bilhões em investimentos públicos e privados para o programa de bioeconomia na Amazônia.

Apesar do aumento nos investimentos em projetos socioambientais na Amazônia Legal, existe um fator que muitas vezes passa despercebido na construção das propostas elaboradas: a participação legítima das comunidades locais.

"Esse instrumento conhecido como plano comunitário envolve a colaboração ativa da população do território na definição de metas, estratégias e políticas que atendam suas necessidades específicas e respeitem suas tradições e valores. Além de servir como guia para empresas, ONGs e OSCs que queiram realizar atividades no território, contribui na elaboração de políticas públicas"

No contexto de territórios indígenas, ele se torna ainda mais fundamental. Mesmo com medidas que buscaram visibilizar essa população no país, como a criação do Ministérios dos Povos Indígenas, ainda é preciso avançar na construção de soluções que os tenham como protagonistas. Ao envolver essa população no processo de planejamento, há a garantia que "suas vozes sejam de fato ouvidas", como bem apontou a liderança indígena Txai Suruí, na COP26.

Os planos comunitários permitem a identificação dos problemas, definição das prioridades e formulação de soluções, por meio de políticas públicas, parcerias ou projetos como de regeneração ambiental, geração de renda, educação, promoção da saúde, saneamento básico, preservação histórica e cultural, de acordo com a necessidade de cada território. O que subverte a lógica a que historicamente as comunidades indígenas são submetidas, de receberem projetos externos ou políticas desenvolvidas para eles, sem sua colaboração ou protagonismo, mantendo-se como intervenções de não indígenas aos seus territórios.

Além disso, os planos comunitários se mostram um forte aliado na gestão sustentável dos recursos naturais presentes nos territórios indígenas. Explico o motivo.

Segundo dados recentes disponibilizados pelo Instituto Socioambiental (ISA), das 728 terras indígenas registradas em território brasileiro atualmente, 426 se encontram na Amazônia Legal. A região também é a que concentra a maior presença de população indígena residente em TIs (46,7%), de acordo com o Censo IBGE de 2022.

Com ampla presença na Amazônia Legal e crescimento da agenda política de descarbonização, desmatamento zero, e a valorização da preservação da floresta amazônica em pé, em função de mercados como o da bioeconomia e de crédito de carbono, a construção participativa de povos originários em projetos nesse território se torna essencial.

É nesse sentido que os planos comunitários em terras indígenas podem atuar, uma vez que integram o conhecimento tradicional dessas populações às formas de gerenciamento sustentável dos seus recursos naturais, podendo lançar mão de estratégias como a agrofloresta e o manejo florestal, garantindo a subsistência sem comprometer a saúde dos ecossistemas. No plano também é possível identificar possibilidades de desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis que contribuíram com o fortalecimento da economia local, gerando empregos e aumentando a renda das famílias.

Conforme aponta os dados o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a demanda global por produtos amazônicos (cacau, açaí, pimenta-do-reino, frutas tropicais, peixes nativos, de uma lista de 64 itens já exportados), atinge US$ 176 bilhões no mercado internacional e o Brasil atende a apenas 0,17% desse total. Outra oportunidade é por meio do ecoturismo crescente em terras indígenas, que recentemente protagonizou o lançamento da primeira agência para esse fim, criada e mantida por povos originários da Amazônia, a Yabnaby - Espaço Turístico Paíter Suruí que receberá mais de R$522 mil para elaborar um plano estratégico de negócios.

Com esse cenário, os planos comunitários são estratégicos para apoiar o direcionamento dos investimentos, além de acompanhar a efetividade dos resultados junto à população local. Por isso, são desenhadas formas que permitem às comunidades indígenas se apropriarem e se empoderarem, para que sejam protagonistas do desenho à implantação das soluções.

Um exemplo, é o plano comunitário desenvolvido junto à Aldeia Gamir, na Terra Indígena Sete de Setembro, uma iniciativa da reNature para a construção das soluções em economia regenerativa através do RREP (Programa de Empreendedorismo Regenerativo Regional) com a premissa da autodeterminação. Nesse caso, o plano propôs eixos de investimento elencados pelos próprios indígenas, como tecnologia, ordenamento territorial e desenvolvimento das cooperativas. Nem tudo será abraçado pela empresa, porém o processo, facilitado pela Tewá 225, gerou consciência das lideranças e moradores sobre onde desejam estreitar parcerias e projetos nos próximos anos, alterando a lógica de "beneficiários" ou "receptores" de programas e projetos externos. No plano comunitário, é a comunidade quem determina os temas, prioridades e parceiros estratégicos para o atingimento dos seus resultados esperados.

Além disso, os planos comunitários fortalecem a coesão social e a identidade cultural das comunidades indígenas. Ao trabalharem juntos para definir seus objetivos e prioridades, as comunidades podem fortalecer os laços de solidariedade e colaboração, revitalizando suas tradições e promovendo um senso de pertencimento que contribui com a proteção desses territórios da exploração predatória e desmatamento ilegal, algo que encontra-se abalado especialmente em populações com amplo contato com a cultura do branco.

Com isso, para irmos além dos holofotes, é necessário garantirmos que os projetos e programas implementados em territórios indígenas, em especial da Amazônia Legal, sejam eficazes e atendam as necessidades dessa população. Os planos comunitários, são um caminho que amplia vozes, legitima a importância dos povos indígenas como gestores do conhecimento e alia os saberes ancestrais dessas populações às práticas sustentáveis que garantam o valor da floresta amazônica de pé.

Agora o desafio é que empresas, governos e terceiro setor reconheçam esse instrumento como fundamental para construção do futuro, a partir do hoje.

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